Institutos normativos contra a discriminação racial e a importância da aplicação da norma à realidade social
Ao longo da nossa história, diversas foram as manifestações em prol da conquista de direitos individuais e coletivos. Da mesma forma, numerosos foram os números de pessoas que, na luta por esses direitos, acabaram perdendo suas vidas em busca de melhores condições de existência e dignidade.
Justamente visando alcançar o direito de usufruir da liberdade de locomoção, que a história marca a morte de 69 (sessenta e nove) pessoas e a agressão de mais 186 (cento e oitenta e seis) pessoas em Sharpeville, província de Gautung, na África do Sul. Essas pessoas sofreram as mais diversas formas de violência e opressão em razão de terem saído às ruas dessa cidade no dia 21 de março de 1960, desarmadas e de forma pacífica, reivindicando a extinção da denominada “Lei do Passe”, que obrigava pessoas negras a portarem cartões de identificação contendo o registro dos locais por onde era permitido a circulação delas, tornando a data uma homenagem aos mortos, à luta contra o apartheid e um feriado importante na África do Sul.
Além disso, em 1966, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou a data como o “Dia Internacional contra a Discriminação Racial”, em forma de homenagem às vítimas do massacre. No Brasil, a data é celebrada no dia 03 de julho, desde 1951, data em que, inclusive, o Congresso Nacional aprovou a Lei 1.390 (Lei Afonso Arinos, proposta pelo político mineiro e jurista), sendo a primeira lei existente contra o racismo no Brasil, que previa como uma contravenção penal qualquer prática que resultasse de preconceito por raça ou cor da pele. A Lei foi alterada em 1985, pela Lei 7.437, que transformou as práticas de racismo em crime inafiançável, conforme também é previsto no inciso XLII, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Apesar de tantas datas configurarem marcos históricos e servirem como um lembrete diário da atrocidade que tantas pessoas negras sofreram e ainda sofrem, bem como apesar de termos normativos que visam assegurar a proteção aos seus direitos, a perseguição e a morte de pessoas negras só aumenta a cada dia.
Segundo o Atlas da Violência de 2021, a chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é de 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não preta, isso sem considerar, ainda, recortes de gênero e classe social, que agravam ainda mais as chances e estatísticas de mortes de pessoas em razão de sua cor de pele.
E tratando-se de violência, vale citar que, em razão da disparidade racial encontrada no país, vemos que a perversidade do preconceito racial se alastra no Brasil desde os primórdios da nação, com o genocídio de povos indígenas ainda tão perseguidos no século 21, e atualmente, com o COVID 19 e os conflitos internacionais, com o racismo recreativo contra descendentes de asiáticos, bolivianos e demais imigrantes.
Desta forma, concluímos que, apesar da grande importância da data, que deve sim ser entendida como uma oportunidade de debater e insistir em questões diretamente ligadas ao racismo estrutural existente em nossa sociedade em tantos níveis, ainda há muito o que se fazer para que os feriados, os debates e os normativos realmente sejam traduzidos e aplicados à realidade social, para que, assim, o mínimo de dignidade e oportunidade seja verdadeiramente conferido para as minorias, que, em verdade, são a maioria no Brasil e no mundo.
Autoria do texto:
Ruth Oliveira, mulher, brasileira, advogada e voluntária da FCG.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm